Outra morte para David
Ensaio Pré-selecionado de Azalia Licón
Como são as ruínas depois da ruína? Essa é a pergunta que estava girando na minha cabeça, seis anos após a terceira morte de David. Ou será a quarta vez que David morre?
David teve várias mortes, sendo a primeira de seu criador, Jorge David Brillembourg Ortega, presidente do Grupo Financiero Confinanzas, um dos empresários e banqueiros que acumulou uma grande fortuna em Caracas na década de 1980. Conhecido então como “Rei David” das finanças venezuelanas, decide construir um complexo financeiro no coração de Caracas, para transformar o corredor financeiro da capital em uma espécie de Wall Street sul-americana.
As duas primeiras mortes ocorrem em um curto período de tempo: Brillembourg morre repentinamente em 1993, e, no ano seguinte, a crise bancária venezuelana leva o grupo Confinanzas à falência. A megaestrutura de 45 andares e 190 metros de altura passa para as mãos do Estado, que não consegue vendê-la, e, em 2007, cerca de 1.000 famílias a invadem. A “Torre de David” se torna a favela vertical mais alta do mundo.
O edifício eventualmente abriga vida, mas longe de sua função concebida, outra morte ocorre para David. As pessoas organizaram-se eficientemente a tal nível que eles geraram naquele espaço negócios como papelaria, suprimentos, vinícolas, cabeleireiro, salas do internet e videogames e até uma igreja. Embora nem tudo fosse tão perfeito, em um lugar tão grande, grupos criminosos também operavam, alguns lidando até com sequestros. Embora não seja a primeira estrutura que acaba sendo utilizada após anos de abandono para uma função diferente, esse espaço se tornou um fenômeno internacional: em 2012 foi o protagonista da Bienal de Arquitetura de Veneza, como obra de pesquisa por parte do Urban-Think Tank, que com dois anos estudando esse espaço urbano histórico para seu Pavilhão, ganhou o Leão de Ouro. Em 2013. foi criado um episódio da série Homeland da rede americana Fox, usando a figura da torre como um espaço que abrigava terroristas. Em 2014, cerca de 1.150 famílias estavam morando lá e o governo venezuelano anunciou que elas seriam realocadas, pois estavam considerando várias opções: vendê-la a investidores chineses interessados, demoli-lo, transformá-lo em um centro financeiro ou construir apartamentos. Atualmente, serve como sede de uma das entidades de inteligência da ditadura de Nicolás Maduro.
‘Outra morte para David’ decorre da visita a este edifício, que se tornou mais um ícone do fracasso de uma sociedade cuja capital já foi um modelo de modernização para a América Latina. Uma visita motivada na questão inicial: como são as ruínas depois da ruína? Aquele arranha-céu sobre o qual se projetou um último desejo de progresso, pouco antes de começar a desabar a utopia da modernidade venezuelana. Uma estrutura em cujas entranhas estão os restos de uma de suas últimas mortes, seis anos após o despejo, embora na realidade pareça que David guarda todas as suas mortes dentro de suas paredes…
Azalia Licón
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