Especular
Ensaio Pré-selecionado de Roberto Svolenski
Procurando pelos dicionários, encontramos a definição de linguagem como sendo qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos ou gestuais. Na fotografia isso não é diferente, pois cada fotógrafo procura desenvolver uma linguagem sendo mediado por um aparelho. Segundo o fotógrafo e historiador Boris Kossoy “ o registro visual documenta, por outro lado, a própria atitude do fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e sua ideologia acabam transparecendo em suas imagens, particularmente naquelas que realiza para si mesmo enquanto forma de expressão pessoal.” Essa expressão pessoal desenvolvida pelo fotógrafo é que faz a diferença ao longo de seus registros, deixando de ser apenas um registro casual para se transformar em observações intensas daquilo que o rodeia. E nesse sentido de observar com mais atenção aquilo que está a nossa volta é que o ensaio fotográfico denominado Especular surgiu. Situações corriqueiras do cotidiano e dessa urbanidade são apresentadas nas fotografias em preto e branco para realçar os contrastes e texturas do movimento quase caótico de uma cidade num período pós-chuva.
A palavra Especular, como verbo, tem como significado o fato de ser uma investigação e o estudo criterioso de todos os detalhes em uma pesquisa. Entretanto, como adjetivo, especular é a imagem refletida no espelho, o contrário do que vemos, ou seja, aquilo que se inverte. Dessa forma, podemos compreender que essa investigação sobre a reflexão especular absorve a ambiguidade da palavra. Arlindo Machado (1949–2020) no livro A ilusão especular (1984) afirma que “o que nós chamamos aqui “ilusão especular” não é senão um conjunto de arquétipos e convenções historicamente formados que permitiram florescer e suportar essa vontade de colecionar simulacros ou espelhos do mundo, para lhes atribuir um poder revelatório.” Esse conjunto de impressões sobre a imagem provoca essa vontade de colecionismo de imagens, a fotografia como um espelho do real conforme Philippe Dubois. Machado complementa ainda que “a fotografia em particular, desde os primórdios de sua prática, tem sido conhecida como o “espelho do mundo”, só que um espelho dotado de memória.”
Ao andar pelas ruas do centro da cidade de Florianópolis é possível observar as irregularidades que a calçada possui devido ao uso constante de pessoas que vão e vem apressadas para seus compromissos e as poças formadas pela chuva que parece “limpar” um pouco essas ruas. E, ao caminhar por elas e sentir-se como um flâneur, Charles Baudelaire (1821–1867) afirma que “para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito”, observo a cidade e tudo o que está a sua volta, como um passeio físico e mental procurando “ler” a cidade com todos os sentidos.
Baudelaire complementa ao dizer que “estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais, que a linguagem não pode definir senão toscamente.” Estar no mundo e oculto a ele faz com que eu ande pelas ruas com um dispositivo móvel e discretamente consiga captar diversas imagens sem chamar a atenção.
E nesse espelho refletido nas poças, como se um universo de possibilidades estivesse sendo habitado numa imagem especular é que o ensaio se desenvolve. A luz, como sabemos, quando projetadas sobre essas poças refletem o que está a sua volta. Mas dependendo do ângulo que vemos essas poças, elas nos limitam o olhar a somente um “pedaço” da “realidade” refletida. O espelho do real. Ao observar esses reflexos e esse mundo imagem, inicio a investigação sobre essa reflexão. Palavra que também possui a ambiguidade por se tratar de um reflexo se olhamos pelo viés das leis da física ou no sentido figurado de pensar em si próprio bem como representações e sentimentos. E a partir de ambos os questionamentos a investigação vai tomando forma. São reflexos captados pelo olhar do fotógrafo instigado a responder de forma involuntária a partir de algum estímulo como ser espetado por uma agulha. São reflexos que, como a luz, refletem sobre uma superfície que devolve de maneira direta ou difusa. São reflexos de um Outro, que não conhecemos, mas que está lá, invertido.
Com a nova data do Paraty em Foco -DE 27 a 31 de OUTUBRO -, as inscrições da Convocatória PEF 2021 ficarão abertas até 19 DE SETEMBRO. Agradecemos a participação de todos pela confiança no trabalho do Paraty em Foco e sua Equipe. O resultado final será divulgado no dia 03 de outubro. Participe, não deixe para a última hora. Você poderá ser um dos protagonistas desta edição. Confira o regulamento: https://www.pefparatyemfoco.com.br/regulamento-2021